A contaminação de três poços por urânio no distrito de Trapiá, em Santa Quitéria, no Sertão de Crateús, no Ceará, pegou a população de surpresa. A água armazenada neles era ingerida ou utilizada para cozinhar alimentos, como contaram moradores ao Diário do Nordeste. Especialistas alertam que o metal pode causar problemas de saúde nos ossos, nos rins, no fígado, no sistema reprodutivo e até causar câncer.
No início deste mês, os habitantes foram informados de que Trapiá seria abastecido por carros-pipa devido à desativação temporária dos poços. O Sistema Integrado de Saneamento Rural (Sisar) notificou que a água continha substâncias potencialmente prejudiciais à saúde.
Somente no último dia 14 de outubro, uma audiência pública com a presença da secretária da Saúde do Ceará, Tânia Coelho, anunciou que foram identificados índices de urânio nas águas 7 vezes acima do ideal para consumo humano pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Segundo a presidente da Associação dos Moradores de Trapiá, Júlia Pinto, os cerca de 800 habitantes da localidade não costumavam ingerir a água dos poços contaminados porque era salobra (de salinidade intermediária). Transportada pelas torneiras, era mais aplicada em limpezas e lavagens.
No dia a dia, os habitantes compravam água mineral ou consumiam a acumulada nas cisternas durante o período invernoso. Porém, um dos poços vedados pelas autoridades também tinha um dessalinizador que, em tese, deveria remover as impurezas do líquido. Muitos moradores pagam por essa água.
Já a que chegava pelas torneiras era usada para tomar banho, irrigar plantas “e muitas outras coisas”. Apesar do alerta das autoridades, Aparecida não percebe os vizinhos assustados. Na verdade, a maior indignação se tornou a necessidade de pagar pela água em mercantis, onde ela “é bem mais cara”.
Embora não bebesse, Ilanna Sousa, dona de um estúdio de beleza em Trapiá, afirmou que usava a água para cozinhar alimentos. “Eu nunca bebi não, mas tem algumas pessoas que bebiam”, relata.
Moradora de outro distrito de Santa Quitéria, Patrícia Gomes, membro do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), afirma que a notícia foi “absurda, grave e muito preocupante”. Além da contaminação pelo material radioativo, ela se preocupa com a viabilidade financeira das famílias em custear mais água.
“Tem gente que tem seus poços e suas águas e não quer aderir, comprar, porque não está na sua condição orçamentária, nas suas condições econômicas. E esse povo, como é que vai ficar?”, indaga. Ao mesmo tempo, chama atenção para uma informação-chave: “não sabemos desde quando essas pessoas estão utilizando essa água contaminada”.
Impactos do urânio na saúde
Raquel Maria Rigotto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) e integrante do Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (Tramas), destaca que, para se avaliar os impactos da ingestão de água com urânio, é preciso levar em conta o modo de vida da comunidade e como ela se relaciona com a água dos poços.
“Não só a ingestão da água contaminada pode ser um risco, mas também a ingestão de carne, leite, ovos e cereais que estiveram expostos a essa água. É importante saber se eles utilizam essa água na horta, no pomar, no roçado, para a dessedentação dos animais, porque aí tem toda essa cadeia de contaminação.”
O urânio, afirma ela, tem duas maneiras de prejudicar a saúde humana. Uma por ser um metal pesado, outra por ser instável: ele gera uma cadeia de decaimento que produz uma série de outras substâncias químicas capazes de liberar radiação alfa, beta ou gama.
(DIÁRIO DO NORDESTE)