Produzido por: Vinícius de Freitas, Miguel Ramalho, e Pedro Bacalhau, atualizado as 11:48.
A recente declaração do CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, de que a rede varejista francesa deixaria de comercializar carnes oriundas do Mercosul, gerou fortes reações no Brasil. A medida foi anunciada em meio a uma crescente tensão sobre o acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e os países do Mercosul, especialmente em relação às práticas ambientais e de sustentabilidade da produção de carne.
Embora o Carrefour tenha esclarecido que a decisão se aplica apenas às suas lojas na França e que não afetará as operações no Brasil, a situação provocou um boicote liderado pelo governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União), e críticas de autoridades e representantes do agronegócio brasileiro. Para o governo brasileiro, as falas de Bompard refletem um ataque à imagem do país e uma tentativa de criar barreiras comerciais para os produtos nacionais.
Em entrevista na última quarta-feira (20), Alexandre Bompard afirmou que o Carrefour deixaria de comercializar carne do Mercosul em resposta à “consternação e indignação” de agricultores franceses em relação ao tratado de livre comércio com o bloco sul-americano. O CEO da varejista francesa alegou que a medida foi uma forma de solidariedade ao setor agropecuário da França, que teme a “inundação” do mercado com carne que, segundo ele, não atenderia às exigências ambientais e de qualidade do país.
“Esperamos inspirar outros atores do setor agroalimentar e dar impulso a um movimento de solidariedade mais ampla. É através do bloqueio que podemos tranquilizar os criadores franceses de que não haverá evasão possível. No Carrefour, estamos prontos para isso, independentemente dos preços e quantidades de carne que o Mercosul nos proponha”, afirmou Bompa
A resposta do governo brasileiro foi imediata e firme. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, manifestou sua indignação, afirmando que o agronegócio brasileiro não deveria fornecer carne aos mercados do Grupo Carrefour no Brasil. “Ora, se não serve para o francês, não vai servir para os brasileiros. Então que não se forneça carne nem para o mercado desta marca aqui no Brasil,” disse Fávaro, durante um evento na Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas) na quinta-feira (21).
Em apoio a essa postura, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, anunciou que estava liderando um boicote ao Carrefour e ao Atacadão, em resposta às declarações do CEO da rede francesa. “Estamos liderando um boicote ao Carrefour,” afirmou Mendes à CNN, acrescentando que as falas de Bompard representaram um “ataque à imagem do nosso país.” O governador também criticou o que considera uma tentativa de criar barreiras comerciais contra os produtos brasileiros, que, segundo ele, são “extremamente produzidos com qualidade, com sustentabilidade e, acima de tudo, muito competitivos.”
Em resposta às reações no Brasil, o Carrefour esclareceu que a medida anunciada se aplica exclusivamente às lojas na França e que suas operações no Brasil, Argentina e outros países onde o grupo opera não sofrerão alterações. “Em nenhum momento a medida se referiu à qualidade do produto do Mercosul, mas somente a uma demanda do setor agrícola francês, atualmente em um contexto de crise,” afirmou a empresa em comunicado à imprensa.
A multinacional destacou ainda que nos países onde a operação é por franquias, como o Brasil, não haverá mudanças. “Todos os outros países onde o Grupo Carrefour opera, incluindo Brasil e Argentina, continuam a operar sem qualquer alteração e podem continuar adquirindo carne do Mercosul,” conclui a nota.
O governador Mauro Mendes, além de liderar o boicote, revelou que instruiu a Secretaria da Fazenda do Mato Grosso a analisar possíveis medidas legais contra a empresa, destacando que a rede francesa não terá “vida fácil” no estado caso continue a desrespeitar o Brasil e seu agronegócio. “Dentro da lei, dentro dos limites da lei, eles não terão vida fácil aqui no meu estado por desrespeitar o nosso país, desrespeitar o agronegócio,” afirmou Mendes.
A reação do governador é um reflexo da importância do agronegócio para a economia do Mato Grosso, estado que é um dos maiores produtores de carne do Brasil e um elo fundamental nas cadeias de exportação de proteína animal para o mercado global
O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) também entrou em cena para defender a qualidade da carne brasileira e rechaçar as declarações de Bompard. Em nota oficial, o Mapa afirmou que a agropecuária brasileira segue rigorosos padrões de qualidade e sustentabilidade, alinhados com as normas internacionais. “O Mapa lamenta tal postura protecionista, que influencia negativamente o entendimento de consumidores sem quaisquer critérios técnicos que justifiquem tais declarações,” afirmou o Ministério.
O ministro Fávaro também se mostrou cético quanto à ideia de uma ação orquestrada por parte das empresas francesas. “Primeiro, custo acreditar que está acontecendo uma ação orquestrada por parte das empresas francesas. Eu custo acreditar que é orquestrado,” declarou Fávaro, destacando que a postura do Carrefour França não deveria impactar as operações da marca no Brasil.
Protecionismo e disputa comercial
A medida do Carrefour é vista como parte de uma disputa mais ampla sobre as negociações do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, que ainda enfrenta resistência dentro da UE, especialmente de grupos agrícolas que temem a concorrência das carnes sul-americanas. A crítica de Mendes e Fávaro também reflete um contexto mais amplo de tensões comerciais, com o Brasil acusando a UE de aplicar barreiras protecionistas disfarçadas de questões ambientais.
Em meio a essa crise, o Carrefour também se vê pressionado a equilibrar os interesses locais, no Brasil e na Argentina, com os desafios políticos e econômicos na França, onde os agricultores estão se mobilizando contra o acordo com o Mercosul. Na última quarta-feira, agricultores franceses bloquearam rodovias em protesto contra a potencial abertura de mercado para a carne do Mercosul, o que reforça a pressão interna para a empresa adotar medidas mais restritivas.
A crise envolvendo o Carrefour destaca não apenas as tensões comerciais entre o Brasil e a União Europeia, mas também a crescente importância das questões ambientais e de sustentabilidade na dinâmica do comércio global. O agronegócio brasileiro, que representa uma parte significativa da economia nacional, vê com desconfiança as tentativas de impor barreiras à sua produção, enquanto o Carrefour busca se adaptar a um contexto político-econômico complexo, onde a solidariedade aos agricultores franceses se choca com os interesses comerciais no Brasil e em outros mercados do Mercosul. A resposta das autoridades brasileiras e do setor agropecuário promete continuar ganhando força nos próximos dias.