O STJ (Superior Tribunal de Justiça) deve julgar ainda neste ano se libera a plantação de maconha para fins exclusivamente medicinais e industriais.
A corte e instâncias inferiores da Justiça têm permitido de maneira isolada o cultivo da planta. Agora, a 1ª Seção do segundo tribunal mais importante do país decidirá se dá uma autorização geral para a produção de remédios e produtos à base de Cannabis.
O processo em questão discute a liberação da planta com baixo teor de tetrahidrocanabinol, o THC, que é o princípio ativo com propriedades psicotrópicas.
Um dos principais porta-vozes da causa é o baixista e um dos fundadores da banda de reggae Natiruts, Luís Maurício. Ele é presidente da Associação Brasileira de Cannabis e Cânhamo Industrial e vai se dedicar integralmente à entidade após o último show do grupo, marcado para dezembro.
Estima-se que existam mais de mil produtos feitos à base de maconha. A montadora Kia, por exemplo, lançou recentemente um carro cujo painel foi feito com fibras do cânhamo.
Maurício cita um estudo da empresa Kaya Mind, que atua no setor, sobre o potencial do Brasil de se tornar o maior produtor de maconha industrial e medicinal do planeta, superando a China. A projeção é de que, caso esse mercado seja autorizado, o país possa movimentar R$ 26 bilhões por ano, com a geração de 328 mil empregos.
Um dos argumentos favoráveis à liberação desse mercado no Brasil envolve justamente o fato de a China, mesmo com uma política proibicionista de drogas, ter uma grande produção de cânhamo.
A relatora do processo no STJ é a ministra Regina Costa. Ela convocou uma audiência pública sobre o tema em abril deste ano com entidades e especialistas favoráveis e contrários à liberação.
A magistrada afirmou que a audiência era necessária por se tratar de tema com relevância jurídica, econômica e social. O processo será julgado pela Primeira Seção do STJ, composta por dez ministros.
Alguns integrantes da corte vêm dando decisões favoráveis ao plantio nos últimos anos. Em julho, por exemplo, o vice-presidente do tribunal, ministro Og Fernandes, no exercício da presidência, concedeu um salvo-conduto a um paciente com ansiedade e depressão para que pudesse plantar maconha sem o risco de sofrer uma sanção criminal.
Ele autorizou o cultivo doméstico da Cannabis sativa para extração de óleo medicinal após o TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) ter negado o pedido. O paciente alegou ao STJ que tem autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para a importação do óleo, mas que o produto é muito caro, o que justifica a necessidade de cultivo caseiro.
Og Fernandes afirmou que a jurisprudência das duas turmas de direito penal do STJ determina que plantar maconha para fins medicinais é conduta atípica, ou seja, não se trata de crime por não haver uma regulamentação nesse sentido.
Os desafios enfrentados pelas famílias para obter essas autorizações foi determinante para o envolvimento do músico Luís Maurício com a causa.
“Há uns anos comecei a me engajar pelo tratamento medicinal, comecei a ver a luta de muitas mães de filhos com epilepsia e que o medicamente que resolvia era o canabidiol”, diz.
Ele afirma que, como presidente da associação, sua função é explicar à população as diferenças entre as finalidades da planta.
“É um trabalho educativo, para as pessoas saberem que o cânhamo é uma planta que não é psicoativa, tem apenas 0,3% de THC, mas é rica em CBD. Você pode extrair o óleo para fazer medicamentos e pode usar a fibra para inúmeras coisas, gerar receitas de várias formas”, afirma.
Integrante do Ministério Público de Minas Gerais, André Estevão Ubaldino foi um dos que usou a tribuna do STJ na audiência pública para criticar a possibilidade de liberação.
Ele afirmou que não há evidências de que os benefícios da maconha superem os malefícios e disse ter conversado com os médicos Frederico Garcia, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e Ronaldo Laranjeira, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). “Contatei especialistas e perguntei se a preponderância de efeitos positivos sobre negativos já foi comprovada e me responderam que o consenso é no sentido contrário.”
Disse ainda que, segundo engenheiros ambientais, não é possível controlar a área em que haverá plantação. “Não existe essa possibilidade porque, segundo profissionais, a propagação do plantio dá-se por força do vento, da água e da ação da fauna. Roedores e aves estenderão o plantio para muito além da área eventualmente autorizada”.
Luís Maurício ressalta que diversas pessoas já conseguiram autorização para o plantio, mas que é necessária uma decisão mais ampla nesse sentido.
“Precisamos democratizar o uso desse remédio, fazer chegar para todo mundo, com a gente produzindo aqui, barateando o processo. Atualmente o acesso é elitizado, pois é necessário ter um advogado, buscar um habeas corpus, fazer um procedimento que não é acessível a todos. Ideal é ter uma autorização para cultivo dentro da agricultura familiar também”, avalia.
Em junho, o STF (Supremo Tribunal Federal) concluiu a ação que tratou da descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e fixou a quantidade de até 40 gramas ou seis plantas fêmeas para diferenciar usuários de traficantes. Essa definição é válida até que o Congresso encare o tema.
Os parâmetros devem servir de critério para as autoridades policiais, que também devem levar em conta outros fatores para decidir se uma pessoa é traficante.
(MATHEUS TEIXEIRA – FOLHAPRESS)